Meu filho tem dificuldade em contas simples: o que pode estar acontecendo?
Bruna Fialho
11/15/20256 min read


Dificuldades em matemática são uma queixa recorrente entre pais e educadores, especialmente quando a criança apresenta limitações em tarefas aparentemente simples, como somar, subtrair ou compreender problemas numéricos básicos. Essas dificuldades podem ter origens diversas, que incluem fatores pedagógicos, emocionais e também transtornos do neurodesenvolvimento. Alguns transtornos podem afetar habilidades importantes para o raciocínio matemático, como memória, compreensão, organização das informações e manutenção do foco, o que torna a aprendizagem mais desafiadora.
Compreender as possíveis causas é o primeiro passo para oferecer à criança o suporte adequado, preservando sua autoestima e motivação para aprender.
1. Possíveis causas das dificuldades em matemática
1.1 Falta de estimulação adequada
As crianças precisam, desde cedo, de experiências e brincadeiras que envolvam contagem, comparação de medidas (como observar tamanhos, pesos e comprimentos), relações de quantidade (como identificar quem tem mais ou menos) e noções de sequência (como ordenar objetos, seguir passos de uma atividade ou identificar o que vem antes e depois). Essas atividades contribuem para o desenvolvimento do pensamento lógico. Quando essas vivências não acontecem, os conceitos matemáticos passam a ser aprendidos apenas de forma simbólica, sem uma referência prática, tornando o raciocínio numérico mais abstrato e, portanto, mais difícil de compreender.
1.2 Problemas pedagógicos
Nem sempre o baixo desempenho indica a presença de um transtorno. Em alguns casos, o método de ensino pode não ser o mais adequado para a criança. Quando o conteúdo não é apresentado de forma acessível ao ritmo e às necessidades do estudante, algumas partes podem não ser totalmente compreendidas. Com o tempo, essas dificuldades pontuais se acumulam e se transformam em lacunas que tornam mais desafiadora a compreensão de novos conteúdos e prejudicam o processo de aprendizagem.
1.3 Fatores emocionais
Aspectos emocionais também podem contribuir para o baixo desempenho em matemática e outras disciplinas. Mudanças constantes de escola, conflitos familiares, experiências negativas com a matéria, medo de errar ou comparações frequentes podem gerar ansiedade e insegurança. Quando a criança passa a se sentir menos confiante ou teme não corresponder às expectativas, tende a evitar realizar as atividades, o que intensifica a dificuldade e compromete seu desempenho escolar.
1.4 Transtornos Específicos de Aprendizagem
De acordo com o DSM-5-TR (APA, 2022), o Transtorno Específico de Aprendizagem é caracterizado por dificuldades persistentes na aquisição de habilidades acadêmicas fundamentais, com início durante os anos de escolarização formal. Essas dificuldades não podem ser explicadas por falta de oportunidades educacionais, instrução escolar inadequada, deficiência intelectual, atraso global do desenvolvimento, deficiências sensoriais (auditivas ou visuais), condições neurológicas ou motoras, nem outros fatores externos.
O desempenho pode estar abaixo do esperado para a idade ou dentro da média, mas somente às custas de esforço excessivo ou da necessidade de apoio intenso.
Dificuldades em aritmética podem estar associadas tanto a domínios específicos da matemática (Discalculia) quanto a domínios da leitura (Dislexia).
Transtorno Específico de Aprendizagem com prejuízo na matemática (Discalculia)
A discalculia envolve dificuldades no processamento de informações numéricas, na aprendizagem de fatos aritméticos e na realização de cálculos precisos e fluentes. A criança pode apresentar lentidão para resolver operações, confusão entre símbolos, confusão entre números parecidos (como 3 e 8) ou inverter a ordem dos dígitos (por exemplo, escrever 250 em vez de 205), dificuldade em estimar quantidades e em compreender sequências numéricas, além de prejuízos no raciocínio matemático, como na solução de problemas.
Transtorno Específico de Aprendizagem com prejuízo na leitura (Dislexia)
A dislexia também pode impactar o desempenho em matemática, especialmente quando envolve interpretação de enunciados, leitura de problemas e compreensão do que está sendo solicitado. Assim, dificuldades de leitura podem repercutir na matemática mesmo quando o raciocínio lógico está preservado.
1.5 Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento. Segundo o DSM-5-TR, caracteriza-se por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade e impulsividade que interfere no funcionamento ou no desenvolvimento da criança, gerando prejuízos em diferentes áreas da vida, como a escolar e a social.
Esse transtorno pode impactar o desempenho escolar, inclusive na matemática. A criança pode se distrair com facilidade, perder o foco durante explicações, esquecer etapas importantes do exercício, apressar-se para terminar ou cometer erros por descuido. Esses comportamentos não indicam falta de capacidade, mas refletem dificuldades em manter a atenção, organizar informações e controlar impulsos durante as atividades.
Quando esses desafios aparecem, é importante oferecer estratégias de apoio, como instruções mais curtas, revisão passo a passo, pausas breves e acompanhamento próximo, para ajudar a criança a organizar melhor o raciocínio e concluir as tarefas com mais segurança.
Quando as dificuldades persistem, a criança pode experimentar sentimentos de frustração, inadequação e baixa autoestima acadêmica. O fracasso repetido em atividades escolares pode levá-la a acreditar que “não é boa em matemática”, desenvolvendo uma relação negativa com o aprendizado.
2. Como ajudar a criança com dificuldades em matemática


O apoio precoce é essencial. Algumas estratégias eficazes incluem:
• Promover um ambiente de aprendizagem positivo: valorizar o esforço, evitar comparações e reconhecer pequenas conquistas.
• Estabelecer rotina e oferecer apoio visual: utilizar quadros, cores e materiais concretos, como blocos, palitos de sorvete, tampinhas, frutas de brinquedo e outros objetos do cotidiano para representar quantidades e operações matemáticas.
• Transformar o erro em oportunidade: encorajar a criança a explicar seu raciocínio e compreender onde ocorreu a confusão, sem punições ou críticas.
• Estimular o contato com números de forma natural: calcular o troco, medir ingredientes, organizar objetos por tamanho ou quantidade, entre outras atividades do dia a dia.
• Mostrar que errar faz parte do processo de aprender e incentivar a tentar novamente, pois a prática favorece o entendimento.
• Demonstrar interesse e participar das atividades escolares: acompanhar tarefas, ouvir dúvidas e reforçar a confiança da criança.
• Realizar avaliação especializada: se as dificuldades persistirem, é recomendável procurar um psicólogo ou neuropsicopedagogo para uma avaliação cognitiva e de aprendizagem.
3. Jogos e recursos lúdicos que podem auxiliar:
A aprendizagem lúdica facilita o desenvolvimento do raciocínio lógico, da atenção e da flexibilidade cognitiva, além de reduzir a ansiedade. Algumas sugestões incluem:
• Jogos de tabuleiro: Banco Imobiliário, Jogo da Vida, Ludo, Dama, Resta Um e Lig 4, que trabalham contagem, comparação de quantidades, estratégia e planejamento.
• Dominó tradicional e dominó personalizado com quantidades: confeccionado com pontos, figuras, cores ou objetos desenhados, desenvolve correspondência, contagem e pareamento.
• Jogos de cartas: Uno e jogos de baralho, que fortalecem a atenção, a classificação, o raciocínio numérico e a memória.
• Jogos com dados: como “somar e avançar”, desafios de soma/subtração e competições simples que estimulam operações básicas.
• Objetos de apoio ao aprendizado: blocos de montar, encaixes, palitos de sorvete, tampinhas, frutas de brinquedo e cubos multicoloridos.
• Atividades práticas: culinária (medidas, proporções e sequência de passos) e mercadinho fictício (soma, subtração e cálculo de troco). Também podem ser incluídas atividades corporais e sensoriais, como dança, jogar amarelinha, música e exercícios de percepção do próprio corpo, por exemplo, contar dedos das mãos, olhos e orelhas.
• Aplicativos educativos: Matific e Matemática Divertida, como complemento interativo.
4. Um convite para olhar com mais cuidado para o aprendizado
A dificuldade em matemática pode surgir por diferentes motivos e, por isso, requer um olhar atento, cuidadoso e sensível às necessidades da criança. Embora nem sempre esteja associada a um transtorno, toda dificuldade merece investigação e acompanhamento adequado.
Com estímulo apropriado, apoio emocional e intervenções realizadas no momento certo, é possível fortalecer as habilidades matemáticas, reduzir a ansiedade e restituir a confiança da criança em sua capacidade de aprender e evoluir nos estudos.
Se você percebe que seu filho está enfrentando dificuldades e precisa de uma avaliação mais detalhada ou de um acompanhamento especializado, estou à disposição para orientar e apoiar nesse processo. Juntos, podemos compreender melhor o que a criança está vivenciando e buscar caminhos que favoreçam seu desenvolvimento.
Referência
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5-TR. 5. ed., texto revisado. Porto Alegre: Artmed, 2022.
HUDSON, D. Dificuldades específicas de aprendizagem: ideias práticas para trabalhar com dislexia, discalculia, disgrafia, dispraxia, TDAH, TEA, síndrome de Asperger e TOC. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2019.
SANTOS, F. H. Discalculia do desenvolvimento. São Paulo: Pearson, 2017.
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